domingo, 17 de outubro de 2010

Olhar de Outono...

A morte saia e entrava pela porta do prédio, mobílias que iam e vinham dependendo do espaço na camioneta de mudanças que parecia encolher a cada minuto que se escoava. No chão da entrada do prédio viam-se folhas amareladas, de um Outono que tardara, rastos de terra húmida e um laço vermelho, pisado e sujo, de algum Natal que o fora. E o Natal veste a morte tão mal...
A chuva nascia e depois escorria pelos canos a descoberto na rua, e os homens das mudanças iam e vinham, iam e vinham, naquele final de tarde em que a escuridão ia ganhando terreno e eu esperava que chegasses a qualquer momento, com a tua cauda preta abanando de contente, alheio a tudo que não fosse essa tua felicidade tão tua.
O frigorífico e o microondas saíram do elevador, e ao encará-los, pareciam-me modernos demais para que a morte os tivesse invadido. Como se apenas móveis e quadros antigos emoldurassem com lógica todos os desfechos sem história nem encanto em camas de hospital.
E sobre o ser humano que vivera a uma distância de alguns degraus de mim, no piso de cima, durante quase trinta anos e que eu afinal tão mal conhecia? A sua imagem permanecerá colada ao sorriso que me dirigia de tempos a tempos. Boa tarde, está tudo bem? Sim, sim… boa tarde, e consigo? As mesmas palavras repetidas vezes sem conta, no mesmo teatro humano de sempre… Penso na última vez que a vi e realmente parecera-me mais frágil, mais engelhada, mais escondida na roupa. Nos últimos dez anos fora a primeira vez que voltara a olhar a para ela a sério, por mais que sempre lhe sorrisse de volta. A minha vida esgotara a última década de uma forma atabalhoada.

Sinto frio. Abro e fecho a minha mão entorpecida como se reparasse nela só agora. Enquanto os homens das mudanças levavam para a camioneta os resquícios de existência daquela mulher, o Outono e a ventania mostraram a sua face definitivamente.

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